O dia 3 de junho é a data comemorativa do profissional de RH em todo o mundo.
A data nos estimula a escapar de comemorações laudatórias do tipo oba-oba, tão peculiares na espécie, para emitirmos mais um grito de alerta contra a crescente deterioração das relações de trabalho constatada no cotidiano das organizações em geral.
Vivemos o apogeu do humanismo empresarial, exaltam todos!
O colaborador se transformou numa espécie de empregador de si mesmo. Ele é o novo empreendedor, mesmo quando claramente mantenha vínculos empregatícios, subordinação definida, jornada de trabalho com horários estabelecidos, e, mais do que tudo, dependência econômica.
A sua opção existencial não é pela assunção do risco da atividade empresarial autóctone. Mas o contexto do empreendedorismo corporativo o impulsiona ao desempenho dos mesmos papéis e funções, vivendo em plenitude as circunstâncias de um empresário propriamente dito.
Pior ainda: não briga pelo seu negócio, mas pelo negócio dos outros. Mas o tem que fazer como se fora o seu próprio.
Quando fracassa, o empresário costuma ir à falência como pessoa jurídica, mas nem sempre como pessoa física. Às vezes fica até mais rico.
Já o empreendedor-empregado inelutavelmente passa a integrar a lista dos desempregados de um headhunter, numa busca ansiosa por recolocação pelo menos próxima ou similar a que detinha antes. O que nem sempre acontece. O mais das vezes, tem de engolir um decesso profissional, com as repercussões evidentes em sua vida.
Os dramas existenciais, que vão de depressões, frustrações e crises, até suicídios, como a imprensa internacional tem veiculado em números alarmantes, inicialmente apenas nas macro corporações francesas para pouco a pouco se espalharem generalizadamente, são as conseqüências das novas formas de organização do trabalho praticadas nestes primeiros anos do Século XXI. O profissional de RH tem responsabilidade direta na construção deste contexto de circunstâncias dramáticas. Precisa assumir o seu protagonismo no redirecionamento de trajetória tão deletéria.
As relações de trabalho já não mais se orientam pela antiga lógica que impelia os sindicatos à luta pela redução da jornada de trabalho, pelo aumento de salários e dos ganhos de produtividade e, somente subsidiariamente, pela melhoria das condições de trabalho.
Foram essas as condições predominantes que ensejaram o desenvolvimento da economia de mercado, o crescimento econômico-social e a sociedade de consumo.
Antes, a realização humana não se restringia ao trabalho em si, mas se expandia preponderantemente na família e nas distintas formas de relações comunitárias (clubes, associações, sindicatos, igrejas, vizinhanças, moradores, parentes), tudo assegurado e propiciado pelo acesso financeiro regular a que os assalariados dispunham através de vínculos empregatícios estáveis, quase permanentes.
As novas formas de organização do trabalho são agora inteiramente diferentes, nada têm mais a ver com esse passado ainda recente.
Não são os problemas pessoais não tratados dos empregados que os levam a atos de desespero e à depressão nos ambientes de trabalho.
Esses atos são a resposta dilacerante de empregados, ditos colaboradores e empreendedores, que sucumbem no cotidiano de uma realidade de trabalho que lhes é totalmente adversa. São as conseqüências da organização e da implementação de processos de trabalho que violam a natureza humana. São a expressão de revolta e de impotência ante uma situação inflexível e intransponível, em que não se vislumbram condições objetivas de escapar ou de, pelo menos, atenuar.
Aquele colaborador que se suicida nos convoca para ver o que é visível, mas não é visto no mundo das organizações. Estamos crescentemente produzindo sobreviventes, mortos-vivos ou zumbis no cotidiano de nossas organizações, e nem nos damos conta disso. É claro, os reiterados casos de suicídio nos escandalizam!
Nunca se exaltou tanto “o trabalho em equipe”, “o vestir a camisa”, “o ter o espírito de grupo”, mas as avaliações individualizadas de desempenho e de cumprimento de metas e de resultados produzem o dilaceramento psicológico e moral do empregado-empreendedor como pessoa.
O empregado transforma-se na prática no empregador de si mesmo. Os trabalhadores já não têm razões para se contraporem ao capital. Se o assalariado é transformado em seu próprio empregador, não há o que falar em luta de classes, na contradição entre salário e lucro, em mais valia, ou nos interesses antagônicos dos patrões e dos empregados.
A luta de classe se transfere para o interior do indivíduo, invade a individualidade do colaborador, absorve a sua psique. Dilacera o indivíduo como pessoa.
É claro, o capital e o trabalho continuam plenamente presentes, mas o conflito entre ambos se transfere artificialmente para o interior do indivíduo.
Antes o conflito social era regulado pelas negociações e acordos coletivos produzidos entre as representações patronais e os sindicatos dos trabalhadores, pelo respeito à legislação trabalhista e previdenciária, e pela intermediação direta do Estado através da justiça do trabalho.
Hoje a responsabilidade pela administração desse conflito irreconciliável se dá dentro de cada indivíduo, empregado e simultaneamente empreendedor, colaborador e subordinado, cada vez mais submetido às cobranças de desempenho e à execução de metas e de resultados.
O suicídio é o ato derradeiro de libertação de muitos que, ao fracassarem, não suportam mais a submissão às estratégias sutis de exploração humana praticadas hoje no mundo do trabalho sob a fachada soi-disant do empreendedorismo corporativo, a nova resposta capitalista ao problema da luta de classes, o dernier-cri da ideologia instrumental a serviço da aristocracia financeira detentora massiva do capital majoritário das organizações.