quarta-feira, 14 de março de 2012

A negociação do setor público.

Por: José Pastore
A presidente Dilma Rousseff reservou para 2012 apenas R$ 1,6 bilhão para reajustes de salários dos servidores - diante de um pedido de mais de R$ 40 bilhões. Ela deve ter problemas com greves de servidores, ainda não regulamentadas.
As centrais sindicais sempre combateram os projetos de lei que visavam a regulamentar as greves de funcionários públicos, alegando a necessidade de o Brasil ratificar a Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante a livre negociação para os servidores do governo, o que ocorreu em 16 de junho de 2010.
A simples ratificação, porém, não afastou a complexidade do problema. A própria Convenção 151 diz que cabe às nações regularem a negociação do setor público, especialmente das atividades essenciais e que põem em risco a população. Esse é o primeiro desafio. Há também a questão dos limites dos orçamentos e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Os governantes não podem conceder mais do que os orçamentos permitem para gastar com pessoal. Esse é o segundo desafio.
Esses desafios vêm sendo enfrentados por vários países. Na América, leis recentemente aprovadas nos Estados de Arizona, Idaho, Indiana, Michigan, New Hampshire, Oklahoma, South Carolina, Tennesse, Utah, Wisconsin e Wyoming endureceram as negociações no setor público. Isso provocou forte reação dos sindicatos laborais. A razão do endurecimento foi o estouro dos orçamentos governamentais. No caso de Wisconsin, o déficit chegou a 25%! Em Nova York, 16%, e, em Ohio, 11%.
Em Ohio, os sindicatos conseguiram convocar um referendo e, com isso, derrubaram a lei aprovada. Em contrapartida, o governador veio a público para explicar aos contribuintes que terão de pagar mais impostos. Eles não gostaram.
Os governadores estão num dilema: para atender às demandas crescentes dos funcionários, eles teriam de cortar os recursos para educação, saúde, segurança, etc. Eles preferiram enfrentar os servidores e adotaram novas regras: 1) os salários não podem subir mais do que a inflação, a menos que autorizados pela população mediante referendo; 2) os funcionários contribuirão em partes iguais (50%) para a previdência social; 3) é eliminada a dedução de contribuição (feita pelo governo) destinada aos sindicatos; e 4) estes têm de obter os votos da maioria da categoria para continuar representando os funcionários.
O governador de Wisconsin, Scott Walker, foi muito claro ao dizer que "a negociação coletiva no setor público não é um direito, mas, sim, uma concessão dispendiosa". Naquele Estado, a primeira avaliação das novas leis constatou que, depois de 12 meses de vigência, o quadro fiscal ficou sustentável, sem aumento de impostos. As escolas e os postos de saúde passaram a oferecer melhores serviços.
O assunto continua em debate e despertou o mundo acadêmico. Daniel DiSalvo, cientista político de Nova York, mostrou que os dirigentes sindicais do setor público exercem uma pressão muito mais forte do que ocorre no setor privado porque a grande maioria desfruta de uma segurança no emprego que não ocorre nas empresas. Além do mais, os movimentos sindicais se misturam aos movimentos políticos e, para garantir a sua reeleição, forçam os governantes a conceder o que o Estado não aguenta pagar. "Nada é mais perigoso para o bem-estar da comunidade do que ter servidores públicos ditando a jornada, o salário e as demais condições de trabalho. Ou seja, nada mais perigoso do que um governo sindicalizado" (Daniel DiSalvo, The trouble with public sector unions, revista Public Affairs, outono de 2010).
No Brasil, as peculiaridades apontadas se mantêm. A maioria dos funcionários goza de estabilidade e as campanhas sindicais se misturam com a política partidária. Por isso, convém meditar muito bem sobre uma regulação racional da negociação coletiva e a urgente aprovação de uma lei de greve específica para o setor público.
José Pastore é professor da FEA-USP, membro da Academia Paulista de Letras e Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP.
Fonte: O Estado de São Paulo - 13/02/2012

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